“Maçom não é mercadoria”. Estranho ter que dizer isso, ainda mais em pleno século XXI e numa fase nunca antes vista neste país de união e harmonia das vertentes simbólicas. Contudo, se faz necessário.

Ontem deparei-me com uma circular de um Grão-Mestre ameaçando seus membros de exclusão, caso venham a pertencer a um Supremo Conselho que não seja aquele com tratado com sua potência simbólica, numa nítida política de reserva de mercado, como se os irmãos fossem produtos.

Há tantos equívocos em tal atitude, que passo a enumerá-los:

1 – Tratado é acordo firmado entre duas organizações independentes que tenham paridade, ou seja, igualdade em suas naturezas e atuações. Na esfera maçônica, isso significa entre potências simbólicas ou entre Supremos Conselhos. Contudo, o aspecto histórico da prática irregular de uma maçonaria mista no Brasil, em que uma potência simbólica mantinha controle sobre um Supremo Conselho, levou ao surgimento do estranho mecanismo de tratados entre desiguais, ou seja, entre potências simbólicas e supremos conselhos.

2 – O tratado mencionado na circular foi firmado em 1965, tendo como signatário da potência simbólica o Grão-Mestre Álvaro Palmeira. Em 1967, o mesmo Grão-Mestre declararia aquele Supremo Conselho com o qual firmou tratado como “um Supremo Conselho espúrio, irregular e clandestino, em que são nulos os graus concedidos”. Então, nesta escola de moralidade em que nos encontramos, deve-se questionar o valor de um tratado que não é entre pares e que foi renegado por um dos signatários.

3 – Do final de 2018 para cá, a Maçonaria brasileira tem experimentado um movimento de aproximação das três vertentes regulares. Isso refletiu, inclusive, na unificação da Ordem DeMolay, em 2019. Contudo, lideranças que ainda vivem no passado de concorrência e subtração, e não no presente de colaboração e sinergia, podem abalar essa união e harmonia com atitudes autoritárias.

4 – Vivemos em um Estado Democrático de Direito, cuja Constituição Federal, em seu 5º artigo, garante a plena liberdade de associação. Desse modo, o 8º artigo do referido tratado, que prevê a exclusão do simbolismo por filiação a outro Supremo Conselho, ou do Supremo por filiação a outra potência simbólica, é ilegal e não sobreviveria a qualquer questionamento jurídico.    

5 – Um Supremo Conselho não pode ser refém de uma potência simbólica, por meio de um contrato com cláusulas abusivas, por risco de não fazer jus ao termo “Supremo”. Caso contrário, cai na mesma incoerência de se autointitular “mãe dos graus escoceses”, enquanto o único reconhecimento que possui é justamente de um Supremo Conselho que não adota “escocês” no nome do rito.

6 – Por fim, há que se considerar a questão ética envolvida no fato de um líder eleito do Simbolismo ameaçar seus próprios membros de exclusão para proteger exclusivamente os interesses de outra organização, da qual ele não é dirigente.

Por essas razões, espero que as autoridades maçônicas envolvidas revejam tal postura, que segue o caminho oposto do movimento maçônico atual no Brasil, o qual tem atendido os anseios do povo maçônico brasileiro e já tem gerado excelentes frutos.