por Kennyo Ismail | jul 9, 2012 | Conceitos
Um ensaio sobre o medo na iniciação maçônica
A Maçonaria foi e ainda pode ser dividida dualmente de várias diferentes formas: Antigos e Modernos, Graus Simbólicos e Graus Superiores, Regular e Irregular, etc. Mas outra dualidade muito clara que se tem na Maçonaria e ainda é pouco observada, dualidade essa presente em sua estrutura filosófica, está relacionada ao medo. Existe muito claramente na Maçonaria Ritos cuja Iniciação é baseada no medo e aqueles que não o são.
O que define um maçom? O que difere um maçom de um não-maçom? A Iniciação. Sendo a Maçonaria uma Escola Iniciática, é a cerimônia de Iniciação que promove a transformação do indivíduo, de um não-maçom para um maçom. Mesmo aqueles que se afastam da Maçonaria, voluntaria ou involuntariamente, continuam sendo maçons. Podem ser chamados de maçons adormecidos (saída voluntária) ou maçons excluídos (saída involuntária), mas não deixam de ser maçons. Isso porque se considera que a Iniciação é um ritual de renascimento, de passagem, que modifica moral e espiritualmente o ser humano, não podendo jamais ser desfeito. Não há, portanto, como “desiniciar” um maçom, voltando-o ao homem que era antes de ser iniciado.
A iniciação pode ser compreendida pelo mito da caverna de Platão. Após enxergar o mundo fora da caverna, não há como voltar ao estado anterior daquela crença nas sombras e ruídos. Não há volta. Assim como na alegoria, a iniciação age sobre a dualidade entre a ignorância e o conhecimento. O ignorante, ao tomar conhecimento, deixa de ser ignorante naquilo. Mesmo que ele não utilize do conhecimento adquirido, ele agora conhece e, portanto, não está mais submerso na ignorância. Assim como não há retorno à caverna para o liberto, não há retorno à escuridão da ignorância para o maçom. E com base nessa compreensão ontológica, entende-se que existe o maçom e o não maçom, não havendo possibilidade de existência de ex-maçom, meio-maçom ou semi-maçom.
Entretanto, a Iniciação na Maçonaria, apesar de possuir um núcleo comum presente em todos os ritos, é composta de diversos elementos que a diferem de um rito maçônico para outro, elementos esses ligados à proposta, história, culturas e valores de cada rito. E nos ritos que possuem o medo como um de seus princípios iniciáticos, muitos desses elementos próprios refletem isso: os momentos pré-iniciação promovidos tradicionalmente pelas Lojas; a câmara das reflexões, suas frases, objetos e escuridão; os testes físicos durante a iniciação, com seus riscos simbólicos; etc.
Essas iniciações “amedrontadoras” são a base dos ritos que podemos chamar de “latinos”, os quais sofreram forte influência de outras escolas iniciáticas, místicas e esotéricas. Todos esses elementos presentes nesses Ritos, e que claramente não são heranças da Maçonaria Operativa, servem para incutir no candidato o medo, testando sua coragem e força de vontade. Muitos desses elementos têm simbolicamente caráter eliminatório, ou seja, a reprovação pode acarretar na não iniciação do candidato. Na verdade, são empréstimos feitos de outras Ordens, devidamente modificados e “maçonificados” quando da construção de tais ritos. Trata-se de algo até de certa forma incoerente com a Maçonaria, uma fraternidade em que, tradicionalmente, os candidatos são devidamente escolhidos, garantidos, aprovados e convidados antes da Iniciação, estando ali de livre e espontânea vontade deles e de todos os maçons presentes, não havendo motivo para testá-los.
O único conteúdo genuinamente maçônico que, de alguma forma, pode ser considerado como relacionado ao medo são as penalidades, essas similarmente presentes em todos os ritos. Porém, não se trata de uma vivência de medo, como nas situações impostas nos ritos “latinos”, e sim da pura e simples ciência da existência de uma penalidade simbólica no caso de infração. Em outras palavras, dá-se conhecimento de um código de conduta a ser seguido e da penalidade simbólica aos infratores. Esse é o único elemento que pode ser considerado relativamente “amedrontador” nos ritos maçônicos anglo-saxões, como o York e o Schroeder, por exemplo.
Para se ter uma ideia da preocupação de algumas Grandes Lojas no mundo em realizar iniciações em que reine a sensação de confiança, e não de medo, aproximando-se ainda mais do espírito iniciático da Maçonaria Operativa, há alguns anos atrás a Grande Loja Unida da Inglaterra tomou a iniciativa de, mais uma vez, modernizar seus rituais, suprimindo tal trecho do juramento. Dessa forma, extinguiu-se dos rituais ingleses qualquer passagem pela qual possa ser criada uma sensação de medo no candidato.
De qualquer forma, como registrado anteriormente, é aquele núcleo comum que torna a iniciação verdadeiramente maçônica, distinguindo-a das demais iniciações. E como uma sociedade de pensadores livres, os grupos maçônicos organizados e regulares tiveram a liberdade de, na devida forma, construírem seus ritos, acrescentando a eles os elementos condizentes com os valores e crenças que compartilhavam. Resumindo, não há rito bom e rito ruim, não há rito melhor que o outro, e sim constructos diferentes sobre a mesma base maçônica. Cabe ao maçom, como um verdadeiro pesquisador da verdade, compreender tais formações epistemológicas, optando por aquela ou aquelas mais condizentes com suas crenças, seu modo de pensar, e respeitando os princípios que as regem. Com ou sem medo.
por Kennyo Ismail | jun 11, 2012 | Conceitos
A Maçonaria Brasileira proporciona aos seus membros um cenário peculiar de conteúdo maçônico por conta de sua variedade de ritos. Os maçons no Brasil têm a possibilidade de acesso a ritos e rituais de origem francesa, inglesa, norte-americana, alemã, etc.
Cada rito traz consigo uma gama de características próprias, tanto no que tange a ritualística e liturgia, quanto a simbologia e ensinamentos morais. Entretanto, é importante observar que os ritos são praticados por indivíduos, que são os maçons, e que se reúnem em organizações, que são as Lojas e Obediências. Essas, por sua vez, estão inseridas em um macroambiente complexo, que é a sociedade. Com isso, as Lojas e Obediências sofrem influências internas e externas, ou seja, das particularidades de seus integrantes e da cultura e costumes da sociedade em que está inserida. O resultado disso são os valores, crenças, tendências regras e clima organizacional que forma a identidade própria dessas organizações. Em outras palavras: cultura organizacional.
Assim sendo, tem-se de um lado o Rito Schroeder e de outro a cultura organizacional da Maçonaria Alemã; há o Rito de York e há a cultura organizacional da Maçonaria Norte-americana; existe o Ritual de Emulação e existe a cultura organizacional da Maçonaria Inglesa; e assim por diante. Enfim, rito e cultura organizacional são coisas distintas, assim como as características de cada um.
Porém, não é difícil presenciar maçons, autoridades maçônicas e ritualistas de plantão confundindo tais conceitos, creditando características de cultura organizacional da Maçonaria de determinado país ao Rito nele originado. E qual é o impacto disso na Maçonaria? Ora, rito é universal, fixo, imutável, enquanto que cultura é regional, variável, em constante mutação. Ao considerar uma característica cultural como característica do rito, você está impondo-a e tornando-a indiscutível, um tabu.
Essas confusões alcançam diferentes fatores maçônicos. Segue dois exemplos claros dessa confusão:
“O Rito Tal adota gravata de tal cor”… “o Ritual tal utiliza calças diferentes…”. Os ritos tratam de acessórios ritualísticos, como cobertura (chapéu, cartola, fez, capuz, véu), aventais, faixas, luvas, colares. Mas regras de vestimenta, como o uso ou não de terno, cor e tipo de gravata, o uso ou não de balandrau, não têm origem nos ritos e sim nas organizações.
“No Rito X, a quantidade de votos contrários para a reprovação no escrutínio é diferente do Rito Y” … “No Rito 123 existe linha sucessória…”. Regras de seleção de candidatos e de processo eleitoral não são dos ritos, mas sim das organizações.
Não se está aqui insinuando de alguma forma que adotar características próprias da cultura organizacional das Obediências de origem dos ritos seja algo indevido. Muito pelo contrário, muitas vezes é uma questão de identidade cultural, cuja exploração pode colaborar para a consolidação do rito em solo brasileiro. Mas que fique claro que se trata de convenções organizacionais, e não obrigações que o rito nos impõe. Afinal de contas, creditar a um rito conteúdo e características que não são próprias do mesmo não deixa de ser uma forma de adulterá-lo.
por Kennyo Ismail | mar 13, 2012 | História
Imagine só:
“O Rito Escocês e o Rito de York estão participando de um Seminário Maçônico no Brasil. Após o término do primeiro dia do seminário, eles combinam um happy hour em um bar tradicional do Rio de Janeiro…”
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por Kennyo Ismail | dez 9, 2011 | Conceitos
A Maçonaria é um sistema de progresso moral, intelectual, filosófico e espiritual baseado em alegorias, símbolos e dramas transmitidos por meio de rituais. Os rituais compreendem graus que, quando sequenciais, compõem um Rito. Dessa forma, ao vencer cada grau, o maçom vai progredindo na senda maçônica. E por conta do progresso, essa trajetória é constantemente ilustrada como uma escada. Por conta de ser uma escada relacionada ao aperfeiçoamento do ser humano, não é raro os maçons a chamarem de “Escada de Jacó”.
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Escada dos Ritos Escocês (esq.) e York (dir.) |
Para ser considerado apto ao ingresso no grau seguinte, é comum a exigência de requisitos, como presença mínima nas reuniões, apresentação de um trabalho sobre os ensinamentos do grau em que se encontra e passagem por uma sabatina. Em outras palavras, Maçonaria é uma escola.
O Rito Escocês Antigo e Aceito – REAA, o mais conhecido dos maçons brasileiros, é composto por 33 graus. Do primeiro degrau até o topo dessa escada costuma-se demorar, no mínimo, 06 anos. Isso porque existem interstícios a serem respeitados que garantem esse tempo mínimo. Por esse motivo, muitos maçons gostam de chamar o Rito Escocês de “Faculdade de Maçonaria”.
E por que alguém frequenta uma Escola? Para aprender, claro! Mas em uma faculdade, existem geralmente dois tipos de estudantes: os que estão ali pela vocação, pela vontade de aprender, e os que só querem o diploma, o título. Aqueles com vocação e vontade são assíduos, participativos, esforçados, estudiosos e comprometidos. Já os outros são ausentes, relapsos, enrolados, “picaretas”. Na Maçonaria isso não é diferente.
Porém, no universo acadêmico existe uma alternativa para aqueles interessados apenas no título e que possuem o desvio de caráter da desonestidade. Para esses vaidosos desonestos existe um “atalho” que é a compra de diploma, um crime ainda frequente no Brasil. É claro que não se compra o conhecimento, que só pode ser conquistado. Mas para esse tipo de indivíduo, o título já é o bastante para satisfazer seus interesses.
De uma forma geral, existem três formas de se comprar um diploma: por meio de uma instituição corrupta, por meio de um funcionário corrupto, e por meio de um fraudador. O primeiro caso é claramente o mais grave, pois o crime não é cometido por um indivíduo, mas por uma instituição. Uma faculdade que vende diplomas, além de criminosa, não somente coloca em risco a qualidade dos serviços prestados pelos beneficiados pela compra, como prejudica a honra de seus estudantes honestos.
Infelizmente, ainda existe esse tipo de faculdade no Brasil e, mais uma vez, na Maçonaria não é diferente. São vários os casos de maçons passando por todos os graus superiores de um rito em um único final de semana. Esse lamentável fenômeno é conhecido por muitos maçons como “Elevador de Jacó”. O termo significa que o sujeito, em vez de subir degrau por degrau, “pega um elevador e vai direto para a cobertura”.
Sendo a Maçonaria uma escola, sua finalidade é ensinar. E sendo o maçom um estudante, seu objetivo é aprender. Sempre que um Corpo Maçônico ou um maçom fugir disso, estará cometendo um crime. Não um crime legal, mas um crime moral. Um crime perante os maçons e instituições maçônicas honestas deste país.
O fenômeno ocorre no Brasil desde a chegada dos primeiros Ritos Maçônicos, há quase 200 anos atrás, e possui permissão estatutária. No início, tinha-se a desculpa da necessidade de se formar rapidamente uma base para a consolidação dos ritos. Mas atualmente, em pleno século XXI, essa demanda não mais existe. A “subida súbita” tem servido apenas para atender os caprichos de alguns poucos “profanos de avental”, e sido motivada por interesses políticos das instituições fornecedoras. Os “usuários do elevador” nada sabem e, portanto, nada podem ensinar. Dessa forma, tal prática, assim como ocorre no mundo acadêmico, também é prejudicial ao desenvolvimento da Maçonaria. Mas cabe a cada um dos “estudantes exemplares” trabalharem para a mudança dessa realidade. Aí, quem sabe, essas “escolas de moral” possam ensinar também com o exemplo.
por Kennyo Ismail | jul 14, 2011 | Conceitos
Apesar de ser um tema um pouco polêmico, e por isso é certo que alguns Irmãos discordarão do aqui exposto, sua abordagem é importante para a promoção da reflexão e do debate entre os Irmãos.
Existem três forças que, apesar de distintas, estão relacionadas: a regra legal, que é imposta; a regra social, que é respeitada; e a educação, maçonicamente chamada de “bons costumes”, que leva o cidadão a respeitar a regra social e a obedecer a regra legal.
No Japão há uma antiga tradição de tirar os sapatos para entrar em casa. Se você está no Japão e visita a casa de um japonês, é claro que você tira os sapatos. Não é por você não ser japonês que desrespeitaria tal regra social. Da mesma maneira, um japonês, ao visitar o Ocidente, não sai tirando os sapatos em todo lugar que entra, pois respeita as convenções sociais daqui.
Já na Inglaterra, as mãos do trânsito são invertidas: os carros trafegam pelo lado esquerdo da via, com o lado direito do carro voltado para o centro. Quando você vai para a Inglaterra, é evidente que você não teima e dirige como se estivesse no Brasil. Assim como um inglês no Brasil não dirige na contramão. Ele segue nossas regras legais.
Existem também instituições cujos regimentos exigem do homem o uso de terno e gravata. Poderia um pescador que nunca usou uma gravata exigir sua entrada de bermuda e chinelo? E um índio que ingressa nas Forças Armadas, está dispensado do uso de uniforme por conta de sua cultura?
Seja numa casa no Japão, numa rua de Londres, num Fórum de uma cidade, num quartel no meio da selva ou em qualquer outro lugar do mundo, as pessoas de bem respeitam as regras sociais e se sujeitam às regras legais do local onde estão. Na Maçonaria, fraternidade de cidadãos exemplares, todos homens livres e de bons costumes, isso não deve ser diferente.
Porém, muitas vezes assistimos simbologias e ritualísticas serem quebradas por visitantes crentes que devem seguir as regras de suas Lojas, e não da Loja que estão visitando. Uns não respeitam o modo de circulação do rito adotado pela Loja visitada, talvez com receio de estarem ferindo o que aprenderam em suas próprias Lojas. Outros, Mestres Maçons, insistem em utilizar todos os paramentos e acessórios maçônicos de um Mestre ao visitarem uma Loja no grau de Aprendiz de outros ritos, porque assim é feito no seu rito. Esses últimos ignoram o fato de que na maioria dos ritos o uso do Chapéu numa Loja de Aprendiz é restrito ao Venerável Mestre, sendo representativo de sua autoridade e governo da Loja, simbolismo esse muito bem reforçado nas Instalações. Quando, nesses casos, visitantes utilizam chapéu, estão anulando a representatividade da autoridade do Venerável Mestre anfitrião e, de certa forma, ferindo o simbolismo do rito visitado.
As regras, simbolismo e ritualística de seu rito alcançam somente as reuniões dele. Ao visitar Lojas de outros ritos, respeite as regras sociais e siga as regras legais do mesmo. Não importa se na sua Loja o certo é assim ou assado. Os “bons costumes”, que todo maçom deve observar, ditam que, na casa dos outros, você tem que dançar conforme a música. Como muito bem ensina o ditado: “Quando em Roma, faça como os romanos”.