A VIDA SECRETA DOS RITUAIS E SEUS CRÍTICOS

A VIDA SECRETA DOS RITUAIS E SEUS CRÍTICOS

 

(…) A Maçonaria não é alienígena, nem seus rituais. Parece óbvio, mas esse atributo deve ser o cerne de toda análise sobre qualquer ritual. Contudo, na Maçonaria brasileira, tem-se uma cultura positivista de “certo ou errado” sobre práticas ritualísticas, que não sobrevive a três segundos de raciocínio lógico, partindo dessa premissa.

A Maçonaria não nos foi concedida por uma civilização alienígena, mais evoluída intelectual, moral e espiritualmente do que a nossa. Logo, todo seu conteúdo foi confeccionado com base em conhecimentos terrestres previamente desenvolvidos por humanos não-maçons. Do mesmo modo, nenhum ritual maçônico veio pronto de outro planeta ou foi ditado pelo anjo Gabriel a um maçom. Logo, todos os rituais maçônicos são uma “colcha de retalhos” (termo emprestado do Irmão “Hi-kon-Passos”): todos são enxertos de conteúdos de escritores, religiões, sociedades, escolas e tradições não-maçônicas anteriores, com adequações e alterações para uso maçônico. Discutir se um retalho é melhor do que o outro é como discutir o sexo dos anjos.

PARA LER O ARTIGO NA ÍNTEGRA, CLIQUE AQUI.

MORAL MAÇÔNICA: TEORIA x PRÁTICA

MORAL MAÇÔNICA: TEORIA x PRÁTICA

Outro dia estava palestrando em uma loja e, como de costume, o assunto “evasão maçônica” veio à tona. E, também como de costume, alguns irmãos demonstraram apego à cultura maçônica brasileira de que “a Maçonaria é perfeita” e “quem saiu nem deveria ter entrado”, o que costumo chamar de arrogância institucional: enquanto uma potência não tiver a humildade de querer entender como ela pode melhorar para reduzir a insatisfação dos maçons, por maior que ela seja, ela não será “grande”, no melhor sentido da palavra.


Contudo, um dos irmãos presentes quis saber na prática, com exemplos, mesmo que fictícios, porque um irmão ficaria insatisfeito com a Maçonaria. Eis aqui um raciocínio hipotético, que não atinge apenas a satisfação de maçons, mas a Maçonaria perante a sociedade:


Se um líder da Maçonaria compra, com o dinheiro da potência, um carro importado de 250 mil reais para busca-lo e leva-lo em casa, a uma distância que daria para ele ir a pé; e outro gasta 15 mil em um único jantar de uma viagem; e, em ambos os casos, ninguém faz nada… qual a moral que a Maçonaria tem para reclamar da má aplicação do dinheiro público?


Se uma liderança maçônica não consegue ir em um evento maçônico familiar sem ficar bêbado e inconveniente, e ninguém reclama… qual a moral que a Maçonaria tem para reclamar da postura de qualquer político, ou até mesmo de seus próprios membros?


Se um dirigente na Maçonaria difama e boicota um palestrante junto às lojas de sua jurisdição, simplesmente porque não gosta do que ele fala… qual a moral que a Maçonaria tem para defender a liberdade de expressão e de imprensa?


Se um poderoso maçom pede para outro ameaçar e silenciar um escritor maçônico que escreveu algo que ele não concorda… qual a moral que a Maçonaria tem para reclamar de abuso de poder por parte de qualquer autoridade do judiciário, do executivo ou do legislativo?
Se um grupo de situação consegue fazer um malabarismo técnico para impugnar uma candidatura de oposição, e ninguém toma qualquer providência… que moral qualquer irmão têm para, se de direita, reclamar que o Bolsonaro está inelegível ou, se de esquerda, reclamar que o Lula foi preso às vésperas de uma eleição?


A Maçonaria é um “sistema de moralidade”. Como todo sistema aberto e instalado em um ambiente externo, seu objetivo é que o “profano” entre no sistema, o qual, funcionando, o transforma em um “maçom”, ou seja, um ser moral, para que este transforme o ambiente externo, de modo a colaborar com o bem-estar e a felicidade da sociedade. Mas se esse sistema educacional de moralidade não estiver funcionando corretamente, a ignorância, a intolerância, o fanatismo, a tirania e os vícios, aprendidos anteriormente no ambiente externo, terão mais força dentro do sistema do que suas próprias engrenagens.


Por sorte, essas são apenas hipóteses para fins de racionalidade, que não ocorrem nas instituições maçônicas brasileiras! Mas todas são possíveis, se não investirmos em educação maçônica, se não escolhermos os dirigentes corretos e, principalmente, se formos omissos aos seus erros. A relativização do errado em um sistema de moralidade é apenas a consequência, tendo como causa o abandono de suas engrenagens educativas.


A relativização dos erros de lideranças e a normalização de abusos e absurdos pelo povo maçônico afetaria sua moral para se manifestar no mundo “profano”. Seria, no mínimo, incoerência. Entretanto, talvez o maior impacto desse comportamento coletivo hipotético seria a saída de novos entrantes, que ainda não estariam anestesiados a tais erros e sairiam por concluírem que o que a Maçonaria ensina é distinto do que os maçons estão praticando.

LIVRAI-NOS DE TODA ANTIMAÇONARIA. AMÉM.

LIVRAI-NOS DE TODA ANTIMAÇONARIA. AMÉM.

“O papel aceita tudo” é um ditado no meio jornalístico e literário, que reflete a facilidade de se publicar mentiras, enquanto as pessoas tendem a acreditar em tudo que é publicado.
No mundo da dualidade, há bem e mal, certo e errado, doce e salgado, amor e razão, etc. De certa forma, para que um exista e se identifique como tal, seu oposto também precisa existir. Isso porque você nunca saberia que algo é salgado até experimentar algo doce…
A Antimaçonaria existe no Brasil desde que a Maçonaria aqui se instalou. Ela teve seus momentos de efervescência, como quando na Questão Religiosa, nos anos 1870, e também na Era Vargas, com Gustavo Barroso e os Integralistas. E atualmente, com o crescimento de um conservadorismo mais extremista, os intolerantes e reacionários estão saindo dos porões e dos armários, livres para pedir ditadura, realizar saudações nazistas, perseguir umbandistas e… falar mal da Maçonaria.
É nesse contexto que novas peças antimaçônicas têm surgido no Brasil. Apesar de “novas”, não inovam na mensagem, repetindo aquelas mesmas mentiras tão desmentidas de Leo Taxil e seus seguidores. Elas têm feito companhia a peças antiprotestantismo, antilaicismo, anti-república, etc. Recentemente, comentei sobre uma dessas peças, um vídeo apresentado com ares de documentário, mas que, na verdade, era 100% doutrinação: Como a Maçonaria destruiu o Brasil?”, de Danuzio Neto.
Agora, algumas editoras católicas independentes entraram na brincadeira. É o caso da obra “A REPÚBLICA MAÇÔNICA: como produzir a corrupção universal”, da editora Santa Cruz. O sumário do livro traz uma série de “documentos maçônicos” para comprovar sua teoria: Instrução secreta e permanente da Alta Venda, Novos planos da Alta Venda, Escrúpulos da Alta Venda, O fracasso da Alta Venda, Últimas esperanças da Alta Venda, etc.
Se você se sentiu envergonhado, pois, enquanto um maçom experiente, nunca nem ouviu falar desses “documentos maçônicos” tão importantes, e nem sabe o que é essa tal de “Alta Venda”, não se preocupe. Esses documentos não são maçônicos! São da Carbonária Portuguesa. Mas os editores da obra não se importam, pois o objetivo é exatamente difamar a Maçonaria para seus leitores.
Outro que vem prestando esse desserviço é o Centro Dom Bosco. Em sua apresentação, o centro afirma que “o Brasil é uma nação católica que foi adormecida pelo veneno liberal das casas maçônicas” e eles surgiram para “contrapor o erro”. Que erro? O da liberdade religiosa, promovida pelo “veneno liberal” da Maçonaria no Brasil. Aos evangélicos, espíritas, umbandistas, judeus, muçulmanos, budistas e demais não-católicos, sentimos muito pelo inconveniente.
O Centro Dom Bosco tem até um combo de cinco livros, intitulado “Maçonaria, inimiga da Igreja”. Num deles, “Assassinato em 33º grau”, sugere que a Maçonaria estaria por trás da morte de um Papa. Na sinopse de outro, “Católicos, ao combate!” (“ao combate”??? Perdoai-os, Deus…), afirma que “A revolução franco-maçônica de 1789 criou uma fratura na sociedade que até hoje não foi resolvida”. De fato, acabar com uma monarquia absolutista, onde não havia liberdade religiosa, política e intelectual, e onde ainda imperava a Inquisição, foi uma grande “fratura na sociedade”… Eu ficaria orgulhoso se tivesse sido a Maçonaria a protagonista da Revolução Francesa, mas não… foi a própria sociedade, cansada de abusos.
Venho, desde, pelo menos, fevereiro de 2022, alertando sobre essa onda crescente de ultraconservadorismo no Brasil e, consequentemente, de antimaçonismo. Estamos revivendo a década de 30, nesse sentido. Se quem não conhece sua história está fadado a repeti-la, devo recordar que a Maçonaria acabou sendo fechada naquela época. Esse, infelizmente, é o sonho e o projeto de vida das pessoas que estão por trás de toda essa propaganda antimaçônica. E, pelo Paradoxo da Tolerância, para que possamos continuar a ensinar e a praticar a tolerância, não podemos ser tolerantes a isso.

OPRESSORES e OPRIMIDOS

OPRESSORES e OPRIMIDOS

Você pode, por questões ideológicas, não gostar de Paulo Freire, mas isso não anula toda sua teoria. E se tem algo que ele acertou foi que, quando a educação não é libertadora, o oprimido pode se tornar o opressor, replicando o sistema de opressão vigente. Nesse sentido, costumo dar o exemplo de um recruta que passa por um violento trote no quartel; e quando se gradua, ao receber uma nova turma de recrutas, em vez de quebrar o ciclo vicioso, consegue fazer ainda pior.
Isso pode acontecer na Maçonaria? A Maçonaria é uma escola de moralidade. Assim, conforme a teoria freireana, se as organizações maçônicas não cumprirem seu papel institucional de libertar o homem por meio da razão (projeto iluminista), ou seja, de oferecer uma educação moral que seja libertadora, então, sim, isso pode acontecer na Maçonaria.
Imagine que uma escola tem os grupos A, B e C. Então, o grupo A oprime por anos o grupo C, até o ápice da perseguição, em que decreta que o grupo C é leproso e ninguém pode ter qualquer tipo de contato com ele.
O grupo C conta com a amizade do grupo B, mas que nada pode fazer contra o grupo A. O grupo B é daqueles amigos que veem você apanhando do valentão e depois te ajudam a levantar e a limpar o sangue, mas preferem não se envolver na briga dos outros.
Um belo dia, rola uma treta dentro do grupo A, que acaba perdendo um pedaço, que se torna o grupinho “D”. Aí o grupo A, opressor, chega no grupo C, e diz: “Quer parar de apanhar?” O grupo C, já cansado de tanto ser oprimido, diz, acanhado, “Sim”. Então o grupo A continua: “O grupinho D é o novo leproso, beleza?”
Sabe o que acontece com o ex-oprimido, grupo C, ao não receber uma educação moral libertadora, como a que a Maçonaria deve oferecer? Aquela educação que tira a venda dos olhos e retira a pessoa da caverna de Platão? Ele não se torna amigo de verdade do grupo A, de igual pra igual, de andar junto e frequentar a casa, até porque o grupo A não tem esse interesse… eles passam a, no máximo, se cumprimentarem cordialmente e a respeitarem publicamente um ao outro. Só que agora, o grupo C, que foi oprimido por tanto tempo, tem a oportunidade de, junto do grupo A… ser opressor do grupinho D. E alguns deles o fazem com o mesmo sangue no olho daquele recruta do exemplo, totalmente esquecidos do simples fato de que só deixaram de ser oprimidos porque o grupo A elegeu o D como o novo “leproso”.
Ninguém quer cumprir o papel chato de chegar na galera do grupo A e dizer: “Resolva suas diferenças com o grupo D, porque não haverá nada de bom em ter mais um grupo nesta escola”. Todos sabem que escutarão como resposta: “Isso não é da sua conta!” Mas, na verdade, é algo que atinge a todos. Principalmente agora, que o grupo D tem feito amizade e andado com uns caras expulsos de outras escolas. Para o grupo A, esta é a maior prova de que o grupinho D nunca prestou… mas qualquer aluno com mais de um neurônio e um pouco de memória sabe que o grupinho D não estaria andando com essa turma se não virasse o “leproso”, por ordem do grupo A.
O problema não para por aí: Imagine que um membro do grupo B começa a dizer e a escrever no jornalzinho da escola que é normal haver grupos, mas é necessário parar com esses conflitos entre os mesmos; que brigas internas dentro de um grupo geram cisões que acabam gerando problemas aos outros grupos; e que os grupos não são obrigados a serem amigos e a se relacionarem, mas deveriam sempre buscar o caminho do diálogo em vez da violência. Então, o que acontece com esse membro do grupo B, que não defendeu nenhum grupo em específico, mas que foi contra o sistema de opressão vigente? Ele passa a ser ameaçado e boicotado, tanto por líderes do grupo A como, pasmem, por alguns do grupo C que, por sinal, são os mesmos que ele sempre procurou ajudar no período em que eles é que eram os “leprosos”. Afinal, a prioridade dos opressores será sempre a de manter o sistema de opressão.
Existe uma expressão que se popularizou no mundo pós-nazismo: “lembrar para não esquecer”. E isso pois “quem não conhece sua história está fadado a repeti-la” (BURKE). Quem um dia sofreu ao ser taxado de leproso nunca deveria se esquecer disso, de modo a garantir que isso não se repita, nem consigo e nem com ninguém. E dizer isso não é e nunca foi defender grupo A, B, C ou D, mas, sim, combater o ciclo vicioso de opressão. Há outros modos de ser resolver diferenças e defender seu território!
Atualmente, há conflito em algumas salas de aula. Numa, no nordeste da escola, entre alunos dos grupos A e B; noutra, mais ao centro, entre alunos dos grupos A e C; em uma sala do sudeste da escola, entre alunos dos grupos B e C; e, em pelo menos duas outras salas, há conflito interno no grupo A. Ou seja, a “amizade” entre os grupos nasceu pelas razões erradas, e por isso não é preservada.
Não é segredo pra ninguém que isso ocorre diariamente em muitas escolas, Brasil e mundo afora; e a Maçonaria, nossa escola de moralidade, não está isenta desse risco. Cabe a cada um de nós sermos vigilantes das boas práticas morais e promotores de uma educação maçônica realmente libertadora. Diga não ao bullying!

A Maçonaria Feminina

A Maçonaria Feminina

 

Mulheres na Maçonaria não são um tema novo. Há registros históricos de mulheres como maçons operativas, bem como menções a estas no Poema Regius[1] (Séc. XIV) e no Manuscrito de York N.4[2] (Séc. XVII). Assim, somente a partir da Constituição de Anderson (1723),[3] o veto a mulheres passa a existir, mas não em absoluto.

Ainda no Séc. XVIII, surgiu o Rito de Adoção e as Lojas de Adoção, específicas para mulheres, a partir do Grande Oriente de França. E entre os Séculos XVIII e XIX, tem-se casos de mulheres iniciadas em lojas convencionais, como Elizabeth Aldworth, iniciada na Irlanda; Helene Hadik-Barkóczy, na Hungria; Marie-Henriette Heiniken e Maria Deraismes, na França; Julia Apraxin, na Espanha; Salome Anderson, na Califórnia; Catherine Babington, na Carolina do Norte, dentre outras.[4]

Entre o final do Séc. XIX e início do XX, começam a surgir as potências maçônicas mistas (com homens e mulheres), a partir da Ordem Internacional “Le Droit Humain” (1893); e as femininas, como a atualmente chamada “Ordem das Mulheres Maçons” (1908), que, apesar de ter sido criada mista, logo restringiu-se a mulheres.

No Brasil, o GOB fundou quatro lojas femininas, entre 1901 e 1902, que não emplacaram. E, em 1963, o então Grão-Mestre Geral, Álvaro Palmeira, tentou instalar o Rito de Adoção no âmbito do GOB, tendo sido vetado pela Soberana Assembleia Federal Legislativa daquela potência.[5]

Já no final do Séc. XX, a Grande Loja Unida da Inglaterra – GLUI e outras passaram a reconhecer a regularidade de prática da Maçonaria Feminina, permitindo que estas lojas utilizem seus templos, rituais e paramentos. Em seu site, a GLUI, declara ter “uma excelente relação de trabalho”[6] com a Maçonaria Feminina.

Hoje, a Maçonaria Feminina trabalha em estreita relação (sem intervisitação) com a Masculina em diversos países e não há forma de ser contra isso sem que seja por preconceito. Isso por uma simples regra: se você é contra algo que não prejudica você nem ninguém, isso é preconceito. E enquanto a Maçonaria Mista oferece algum tipo de prejuízo à convencional, pelo caráter concorrencial, apoiar a Maçonaria Feminina somente oferece benefícios. Dentre eles, pode-se citar: atendimento a uma demanda social, proteção contra possíveis processos futuros por discriminação de gênero, mais renda às lojas proprietárias de templos maçônicos com dias ociosos, e a certeza de que nunca se sentará em loja com sua sogra.


[1] BLUMENTHAL, M. (Org.) Antigos textos maçônicos e rosacruzes. São Paulo: Isis, 2006.

[2] HUGHAN, W. J. The Old Charges of British Freemasons. London: Simpkin, Marshall&Co, 1872.

[3] ANDERSON, J. A Constituição de Anderson. Trad. Kennyo Ismail. Brasília: No Esquadro, 2023.

[4] COIL, H. W.; BROWN, W. M. Coil’s Masonic Encyclopedia. New York: Macoy, 1961, p. 15.

[5] ISMAIL, K. Maçonaria brasileira: a história ocultada. Vol. I. Brasília: No Esquadro, 2021.

[6] Disponível em: https://www.ugle.org.uk/become-freemason/women-freemasons