Não há aquele registro certo pelo qual começar, muito menos pelo qual terminar, pois a totalidade de situações que levaram a Maçonaria brasileira ao cenário de hoje, e que embasam o raciocínio aqui apresentado, não somente estouraria a quantidade máxima de caracteres recomendada a um pequeno artigo, como explodiria até mesmo a mais extensa das enciclopédias.

Assim, na certeza de que fatos importantes ficarão de fora, dar-me-ei a liberdade de citar apenas alguns, mais recentes e, por isso, frescos na memória, como meio de ilustrar o raciocínio a ser apresentado.

O conceito mais comum de maçonaria é a de que é um “belo sistema de moralidade”. Em outras palavras, uma escola de moral e ética social. Essa escola possui princípios muito bem determinados e regras internacionais que separam o joio do trigo e garantem certa universalidade entre os homens teístas de bem. Ou seja, homens que creem em Deus e são dignos e idôneos, independente de raça, credo, ideologia política e classe social. É por essa razão que praticamente todos os rituais, na parte dedicada ao escrutínio, alerta aos irmãos para não votarem baseados em diferenças pessoais e preconceitos, mas única e exclusivamente na moral apresentada pelo candidato. É difícil? Sim. Mas é o certo, principalmente em se tratando de uma escola de moral na qual os membros buscam vencer suas paixões, vícios e preconceitos.

Nos últimos anos, temos observado os muros levantados por uma obediência maçônica no Brasil perante outras, mesmo após décadas de convívio relativamente fraterno. As atitudes de seus dirigentes levaram, depois de alguns lamentáveis episódios no exterior abafados no Brasil, no recente escândalo de seus ostracismos da única confederação maçônica relevante em todo o continente americano. A justificativa do Grão-Mestre a seu povo maçônico é de que está apenas seguindo as leis maçônicas de sua obediência. No entanto, em nenhum trecho de todo o arcabouço legal daquela obediência há uma determinação para que seus dirigentes promovam ofensivas contra obediências não-reconhecidas em suas viagens ao exterior. Se não quer, não as reconheça… mas não precisa persegui-las. Não há justificativa legal para isso, muito menos moral.

Essa mesma obediência é a que contava em seus quadros com José Roberto Arruda, que, enquanto Senador da República, renunciou por ter adulterado o painel de votação do Senado. Arruda posteriormente entrou para a história como o primeiro Governador a ser encarcerado durante o mandato, e foi cassado por conta do chamado “mensalão do DEM”. Foi expulso? Não. Recebeu o Quite Placet para retornar num futuro próximo.

Também é dessa obediência o “irmão” Gim Argello, ex-Senador da República condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, e que responde a outros processos por apropriação indébita, peculato e organização criminosa. Expulso? Também não.

E o triângulo fraterno-político dessa obediência pode ser completado por Roberto Jefferson, deputado-federal que teve seu mandato cassado e direitos políticos suspensos por 8 anos, considerado o pai do mensalão, por ter sido o primeiro a delatá-lo. Foi condenado na justiça por corrupção e lavagem de dinheiro. Expulso? Não. E, ao que parece, em breve regularizado.

E não se pode deixar de mencionar o “irmão” Michel Temer, da mesma obediência, atualmente “adormecido”, atual Presidente da República que foi recentemente flagrado em atitudes um tanto quanto questionáveis. Ele somente não formou um “quadrado” com os demais neste artigo porque (pelo menos, ainda) não é um criminoso condenado que experimentou noites aprisionado, como os anteriores mencionados.

Em vez de gastar o dinheiro pago pelos irmãos em viagens para o exterior com fins de promover campanhas contra o reconhecimento de outras obediências brasileiras… em vez de apontar o dedo para os outros… não seria melhor olhar para si mesmo e retificar-se? “Limpar a casa”? VITRIOL.

Porém, esse namoro maçônico com a política profana não é exclusividade dessa obediência no Brasil. Desde o período de campanha eleitoral de 2014 venho alertando para uma infração generalizada na Maçonaria brasileira, cometida por diversas obediências, independente de vertente.

É importante esclarecer que, em 1938, a Grande Loja Unida da Inglaterra publicou, em conjunto com as Grandes Lojas da Escócia e da Irlanda, “The Aims and Relations of the Craft”, uma declaração dos princípios fundamentais que serve de base para o reconhecimento da regularidade de prática de outras obediências. O item 6 dessa declaração registra claramente que:

Enquanto a Maçonaria inculca em cada um dos seus membros os deveres de lealdade e de cidadania, reserva-se ao indivíduo o direito de ter sua própria opinião em relação a assuntos políticos. Entretanto, nem em uma Loja, nem a qualquer momento em sua qualidade de maçom, lhe é permitido discutir ou fazer promover seus pontos de vista sobre questões teológicas ou políticas”.

Assim como essas, outras importantes Grandes Lojas pelo mundo têm regras explícitas e severas contra o envolvimento político da maçonaria. A Grande Loja Nacional Francesa – GLNF, por exemplo, já fora duramente punida, tendo perdido reconhecimentos e caído em um “ostracismo” maçônico a nível internacional por ter se aventurado em emitir opiniões políticas (uma carta aberta em apoio a um candidato a presidência, publicada em 2010). Foram anos para reverter o estrago e retomar os reconhecimentos que havia perdido.

No entanto, a maçonaria brasileira não foi capaz de aprender com os erros das outras. No período de campanha eleitoral de 2014, várias foram as obediências que se manifestaram publicamente, em alguns casos em cartas abertas como a da GLNF, em apoio ao Aécio Neves, então candidato a Presidência da República, e recentemente afastado do Senado e investigado por diversos crimes, graças às gravações e delações dos gestores da JBS.

Esse comportamento pode ser explicado, mas não justificado, pelo fato de que muitas lideranças maçônicas possuem filiações, interesses e até mesmo pretensões políticas. E muitos são os irmãos que apoiam tais manifestações, colocando suas opiniões políticas individuais acima dos princípios maçônicos institucionais, porque alimentam a vaidade de ostentar a crença imaginária de que a maçonaria tem peso e influência política nacional. No fundo, sabemos que não tem.

Estas últimas afirmações são claramente sustentadas pela quantidade de lideranças que, ao final de seus mandatos maçônicos, candidatam-se a cargos públicos; pelas inúmeras palestras e escritos de intelectuais da maçonaria em defesa de que a mesma assuma posição de elite estratégica brasileira; e pela formação de grupos maçônicos de ação política, que não conseguem reunir algumas centenas de irmãos, mas se vangloriam da eleição de meia dúzia de vereadores e um ou outro prefeito maçom, que obviamente não foram eleitos por tais iniciativas ou por suas condições de maçons.

Então, pelo menos no que tange ao ativismo político, não há como distinguir o que é pior. Pois, sendo a maçonaria essa “escola de moral e ética social”, enquanto a iniciação e não-expulsão de políticos corruptos fere a moral; a manifestação a favor deste ou daquele candidato (nesse caso, também corrupto) é maçonicamente ilegal, ferindo assim a ética social.

Enfim, já que não fomos capazes de aprender com os erros das outras, que possamos dessa vez aprender com nossos próprios erros. No próximo ano haverá novo período eleitoral. Mesmo que a maioria dos irmãos de uma obediência seja a favor de determinado candidato, vençamos nossas paixões em respeito àqueles que foram, são ou um dia serão irmãos e têm o direito de pensarem diferente e de terem suas opiniões respeitadas. O princípio da universalidade ideológica na Maçonaria não pode ser ferido de morte. E assim também prevenimos que nossas obediências não sejam apontadas como apoiadoras ou até mesmo abrigo de corruptos, e expostas ao ridículo.